sábado, 28 de fevereiro de 2009

Uma visão II


Do meu mundo, vejo o teu
Do teu sono, embalo meu eu
Do teu corpo, danço sem perceber
Pois nas altas horas encontrei você.
Você é preguiçoso...
De tanto amar, deixou-se cair em silêncio
Inspirado em Butoh, realiza seu balé
Que eu admiro da primeira fileira, na platéia
Agora viaja em seus sonhos
Relaxa seus músculos
Canta pra mim uma música
Que só existe entre nós.
Esta música, agora,
É tão silenciosa que nem sei
Será que estou aqui?
Será que está aí?
Acho que tudo é assim mesmo.
Deve ser natural desconfiar do seu desejo
Mais profundo desejo
Realizado, encarnado, materializado
Ao meu lado.
Das folhas do meu livro,
Fiz do cinza, cor de rosa
Do desencontro o encontro
Dos meus sonhos, palavra nova

Da tinta preta o vermelho fogo
Do que era insípido, o odor das rosas
Das palavras perdidas desfiz meu medo
Do meu desejo, jocoso sufoco

Quando vi teu reflexo,
Foi para me dizer que ia ficar
E eu, cego, entendi errado
Acreditando que ia me deixar

Na parede fria e dura
Minhas cartas penduradas
E como por encantamento
Uma porta se mostrava

Diante da porta, uma calçada
Molhada, porque do céu choveu
E ao invés de lágrimas, nesta chuva
O que eu tenho agora são os beijos teus
Respiro entre bocas,
Falo entre hálitos.
Beijo, vejo, respiro e calo.
Mais uma vez vejo, respiro e calo.
Mas só depois beijo...
Beijo teu beijo, o nosso beijo
Enlaço teus cabelos num beijo de olhares,
Visto teu semblante num beijo de suspiros,
Amasso teu corpo num beijo de amantes.
Num momento, numa hora
Uma vez, duas, três, tanto faz
O que se faz importante é o ato
A cor é muda
O fato é cálido
E eu calo em tua boca num pensamento distante
Respirando e suspirando teus anseios
Que almejo, por ao menos um instante



15/09/1998
Tempestade que vem à tona
Liberta aquilo que me aprisiona
Que me apaixona enquanto desabas...
... só.




20/01/01
Rebola em meu corpo
O invólucro teu
Saliva que dança
Em minha língua
Bebendo meu Teseu




04/05/01
Quando um coração pulsa, uma alma se doa
Quando um olho aponta, uma boca abençoa
Se um pé toca, dedos ascendem
Num instante de corpos tudo se promete e mente.

É como o enlace mortal da adaga contra o peito.
O sangue jorrando completando a intenção:
Vida e morte sobre o leito.

Nascemos e morremos a todos os instantes.
Amamos e choramos durante séculos e continuamos errantes.

Não é fácil ceder, ou ser cedido
Gostar e não ser percebido
Sentir e não ser conduzido
Beijar e não ser correspondido

Olhos injetados, raiva nas veias, instinto nalma.

A flor entre as mãos, sobre o tronco espremido, empresta um pouco de vida a um corpo que ali a nossa frente jaz, num súbito silêncio gemido.
Passado-presente



Perfumes que exauri
Cores que refleti
Sonhos que assisti
Palavras que não escrevi

Pedaços em que me parti
Momentos em que não fugi
Olhos que nunca li
Braços aos quais me uni.
Cada soluço de espera, no meu peito mantra
Cada conspiração eleita, na minha pele planta
Cada flor dilatada, nos meus olhos sangra
Numa noite fria, seca e santa.
Nem eu saberia que seria assim
Nem Orfeu sairia na avenida por mim
Nenhum tambor de alegria me inflaria, enfim
E poderia não ser, por fim,
Tal qual motim...
Tal qual festim....
....que não explodiu em mim...
A janela...


Da janela vejo muitas coisas...
Vejo o asfalto, vejo calçados, calçadas.
Vejo a multidão de pessoas cantando um único verso antigo,
repetido pela pianola do tempo,
mas com uma vivacidade como se tivesse sido parido agora.
Vejo Nietzsche na rua, brasileiro por convicção, seguindo atrás do trio elétrico,
batendo macumba num terreiro de chão etéreo.
Vejo teatros, bonecos, objetos estranhos dentro de um mesmo contexto.
Vejo a minha vida passar diante dos meus olhos,
dando os ombros a minha esquisitice sonolenta.
Vejo meu amor chegando para dizer que vai embora,
Assim, sem hora
Sim senhora...
Vejo tudo como se me visse refletida em cada parcela, em cada batucada, em cada migalha, em cada pescada
Eu e a menina dos meu olhos, na madrugada.



Começo agora um tempo.

Tempo de registrar meus passos.

Sem buscar alento, nem o alheio contento...